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Uma distopia reflexiva - Resenha: "O Conto da Aia"

  • Foto do escritor: Raposa
    Raposa
  • 1 de abr. de 2018
  • 4 min de leitura


O surpreendente "O Conto da Aia" foi escrito pela Margaret Atwood em 1985, na época fez um grande alvoroço e, mais recentemente, voltou a subir no ranking dos livros mais vendidos pois foi lançada uma série de televisão, de mesmo nome (porém no Brasil não foi traduzido), "The Handmaid's Tale" a qual foi concedida muitos prêmios, incluindo o "Prêmio Globo de Ouro" de "Melhor Série Dramática de TV", o seriado, também, conta com Elisabeth Moss vivendo a personagem principal.

Com tudo isso de informação se pensa "O que um livro da década de 80 tem de tão fenomenal que volta a ser sucesso e vira uma série logo agora, mais de 30 anos depois?"

Esta, caros leitores, é uma distopia que tem muito a nos fazer pensar.

O ano não é preciso, nem muito o lugar, nem o nome da personagem principal sabemos, agora ela é chamada de Offred, e esta é sua história:

Offred vive na nova República de Gilead, onde antes ficava os EUA, ela agora têm um "trabalho" muito diferente de antes, sua vida, em poucos anos, foi transformada completamente. Aconteceu, nos EUA do século XXI, uma revolução teólogica que levou a um golpe de Estado, o presidente, primeiro ministro e todos do Senado foram aniquilados, a Constituição foi retirada e os que tomaram o poder criaram muitas novas regras, as quais mudaram, radicalmente, a sociedade.

Começando aos poucos, os cidadãos não tinham muita noção do que estava acontecendo, guardas começaram a surgir nas ruas, as mulheres foram proibidas de trabalhar, em seguida, não podiam ter dinheiro em seu nome, pessoas ameaçadas, espiões em busca daqueles contra o regime e famílias inteiras começaram a desaparecer.

Numa tentativa de fugir desse caos, a personagem principal (sem nome) e seu marido, Luke, tentaram passar pela barreira entre estados com sua única filha, mas os passaportes falsos e o nervosismo os fez botarem tudo a perder. Os vigilantes os descobriram e, por mais que fugissem, sabiam que uma hora seriam pegos, como foram. A menina retirada de seus braços, esta é a última imagem que a atual Offred tem em suas memórias.

Logo após, ela acordou em um lugar desconhecido, o Centro Vermelho, onde foi torturada, obrigada a aprender as novas regras, onde foi ensinada a ser outra pessoa, viver da forma que lhe foi imposta. A atual sociedade foi dividida em "castas" e muitas regras. Homens e, principalmente, mulheres teriam papéis muito rígidos a serem seguidos e, é claro, qualquer atitude considerada homossexual, ou de devoção a outra religião, ou feminista... seria motivo de sentença de morte com exposição em praça pública.

As castas funcionavam de forma que a sociedade girava em torno dos homens e de seus cargos, se fossem altos teriam mais privilégios que outros. As mulheres eram divididas entre as Esposas, onde seu único dever era "ser esposa"; as Marthas, mulheres que não podiam ter filhos então eram encarregadas de afazeres domésticos; as Tias, mulheres que controlavam outras mulheres, como as Aias; as Aias, eram as mulheres férteis que seriam escravas sexuais dos homens de alto cargo, possibilitando famílias ricas sem filhos a terem herdeiros. Por fim, havia também as Não-mulheres, mulheres que eram inférteis e que desobedeceram, de alguma forma, as regras, estas eram mandadas para campos de trabalho forçado, onde lidariam com lixo tóxico até definharem. As mulheres desta nova sociedade "não podiam" muitas coisas, não podiam sair sozinhas, ter seu próprio dinheiro, ler, escrever, conversar com outras mulheres fora o necessário, desrespeitar a regras, falarem alto, terem amizades, sair de sua casta... etc, etc, etc...

As Aias eram extremamente necessárias nesta sociedade porque, por conta de toda poluição gerada ao longo dos anos, o mundo se tornou extramamente tóxico, o ar não era bom, nem a água, não havia a abundância de frutas que havia antes e, como consequência do desgaste natural, muitas mulheres e homens se tornaram inférteis. De forma que, aquela que pudesse gerar um filho era muito rara.

Offred, a personagem principal, é uma Aia, ou seja, sua única função nesta sociedade é procriar. De forma que havia um ritual, erroneamente baseado num texto bíblico, onde a Aia era "encaixada" entre o Homem e sua Esposa durante o ato sexual, como se o filho que esta Aia pudesse ter fosse do casal. A vida de Offred era bastante monótona e girava em torno de seu ciclo menstrual, ela não era autorizada a fazer muitas coisas e seu único contato com outra Aia era para ir ao mercado (já que elas tinham que ir em pares), como também, nos dias De Nascimento, quando havia de nascer alguma criança. De forma que era praticamente impossível qualquer tipo de subversão.

A única coisa que não deixa Offred enlouquecer e cometer suicídio, como muitas de sua casta faziam, era a esperança de reencontrar sua família, sua filha. Um dia, Offred encontra um escrito em seu quarto, algo referente à antiga Aia que morava lá, uma frase que vai mudar todo seu destino, como também, a sua única "amizade" com outra Aia, a Offglen.

Esta é uma história que muito nos ensina, que muito nos faz refletir e que eu mais que recomendo. Ela é completamente diferente do que eu imaginava e esperava, é muito melhor, não tem como não torcer e não ficar ansiosa para desvendar o que acontecerá com Offred, e também, ir descobrindo, aos poucos, mais sobre seu passado e sobre este regime absurdo. As pessoas no começo da "revolução" não se rebelaram quando deram o golpe de Estado, ou quando revogaram a Constituição, ou quando mulheres foram proibidas de trabalhar, ou quando os homossexuais foram perseguidos, ou quando a religião se tornou obrigatória... As pessoas só acordaram quando o desastre já estava feito. Este livro é um grande alerta de Margaret Atwood, não tenho mais palavras para descrever esta obra-prima que é muitas coisas ao mesmo tempo mas, principalmente, uma lição sobre o poder dos extremismos. O que eu disse aqui, ou o que qualquer um disse em qualquer resenha sobre, não é 20% do que este livro é, do que ele representa, de sua magnitude. Apenas leiam, não irão se arrepender.

Caso tenham interesse, há também uma série baseada no livro, lançada ano passado, ainda não a vi mas dizem que é extremamente fiel à história original. Este é o trailer da primeira temporada:


nolite te bastardes carborundorum

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