Um olhar sobre: a poesia de Fernando Pessoa #LeiaPoesia
- Raposa
- 31 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
Há muito tempo venho tentando incluir poesias entre minhas leituras, sempre gostei mas nunca as li com tanto afinco.

Uns anos atrás comprei essa edição de bolso "Antologia Poética" de Fernando Pessoa, assumo que demorei para ler, pois precisava de ritmo, depois tudo fluiu.
Não venho aqui analisar as poesias ou algo do tipo, não sou especialista no tema nem nada, venho apenas com minha humilde opinião. De todos os heterônimos apresentados, admito que as poesias que menos gostei foram as de Álvaro de Campos, as achei muito longas, mas admito que muito boas. Uma coisa que não gostei sobre o livro em si, foi que não tratou de tantos heterônimos do autor, só os mais "famosos". De qualquer forma, a ideia da editora é muito boa: apresentar edições de bolso dos mais clássicos autores.
Gostei muito de ter lido essas poesias e deixo aqui, as que mais gostei, que mais me tocaram, desse grande gênio que foi Pessoa. Todas as suas poesias trazem muita reflexão, seja por algum momento específico, ou sobre temas mais gerais como: vida e questões sobre o Eu. Melancólico e talvez um pouco louco, mas com uma forma única de dizer todas as suas verdades.
Convido, quem quiser, para entrar nesse "projeto" meu de leitura, minha tentativa de me aventurar mais pelo mundo poético: #LeiaPoesia
As quinas - Quinta / D. Sebastião, rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria?
- Fernando Pessoa
Mar português (clássica, eu sei, mas amo)
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
- Fernando Pessoa
Odes de Ricardo Reis
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
- Ricardo Reis
Os tempos - Quinto / Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece a alma que tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
- Fernando Pessoa
Algumas estrofes:
O guardador de rebanhos - V
[...]
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
- Alberto Caeiro
Passagem das horas
Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
[...]
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei... Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos... Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
[...]
- Álvaro de Campos
Comments