Criança sem infância - Resenha: "Não Conte para a Mamãe"
- Raposa
- 24 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
Uma história que não é fácil de ser lida, de ser digerida, ainda mais quando se lembra que é uma história real, uma história que se repete todos os dias. "Não conte para a mamãe", livro da autora Toni Maguire, é um autobiográfico no qual ela relata como sua infância foi tirada dela, pelos próprios pais.
O livro começa com Toni, já adulta, em um clínica, como um lar para idosos, neste ela está para visitar sua mãe, a qual já está muito velha, a desfalecer referente a um câncer. Lhe é informado que a mãe não teria mais chances, o câncer já estava em estágio terminal, deste modo, Toni decide passar os últimos dias da mãe junto dela na clínina.

Mas, acontece algo que ela não esperava, como passa a conviver mais com a mãe, lembranças do passado voltam para lhe perturbar, lembranças de quando ela era a menina Antoinette.
Antoinette, de quatro anos, é uma menina muito feliz que vive em uma região rica da Inglaterra com a mãe, sua grande amiga é sua avó, que lhe dava muito amor, ela era muito feliz apesar de não ver o pai com tanta frequência. Ele era soldado mas para filha era quase como uma visita chique, visto que quando ia para casa, tudo tinha que estar nos conformes. Até o dia em que o pai deixa de ser um visitante, ele deixa de ser soldado pois não há mais guerra para lutar. Por isso, ele e a mãe decidem se mudar para a Irlanda do Norte, cidade natal do pai. Antoinette não muito entendia o porquê daquela viagem longa, o porquê teria que deixar sua avó, mas ficou feliz de conhecer o outro lado da família, muito diferente da antiga.
Eles mudaram para uma roça, como o pai deixara de ser soldado, eles não tinham mais tantas condições financeiras como antes, e vão morar numa casa feita de sapê, no interior. Tudo parece bem, e Antoinette começa, finalmente, a conhecer seu pai mais a fundo, algo não tão bom assim. Ele se mostrou com duas personalidades, uma era o pai amável e bom marido, que faria de tudo para sua família. A outra era de um monstro que viria a assombrar por muitos anos.
Além de bater em Antoinette com violência exacerbada para uma menina de 5 anos, ele começa a tratá-la diferente. Um dia, simplesmente a põe sobre seus joelhos e segura sua garganta para que, brutalmente, lhe "beijasse", enfiando a língua em sua boca. Neste dia, ele usa pela primeira vez, uma frase que seria muito ouvida pela garota ao passar dos anos: "Não conte para mamãe".
Antoinette, não obedeceu, contou para mãe mas essa agiu de modo indiferente, não repudiou o pai, ou brigou com ele, como a menina achou que aconteceria, mas disse para que ela nunca mais falasse sobre isso. O que só tornou as coisas piores.
O pai passou a abusar sexualmente da menina sem o menor escrúpulo, começou aos seus seis anos, ele a levava para "passear", a estuprava em um armazém vazio até gozar, não importando o quanto a menina gritasse ou chorasse. Sempre mantendo o "combinado", de não contar à mãe.
Os anos passaram e a vida de Antoinette continuou difícil, por mais que ela tentasse fugir do pai, ele continuava a abusar dela, não importando o quanto ela pedisse para parar, dando-lhe, inclusive, bebidas alcoólicas. Como se não bastasse, era extremamente violento com ela, chegando a quase estrangulá-la diversas vezes, todas paradas pela mãe que, ao invés de proteger a menina, afirmava que a culpa era dela que ela não queria se dar bem com o pai. A mãe se fazia de vítima e se cegava diante dos abusos do pai com a filha.
Os abusos continuam constantes, o pai passa a fazê-los ainda mais violentamente conforme a menina crescia, chegando a pedir para que a filha dissesse que estava "gostando", humilhando-a sempre de todas as formas possíveis. E ele, quando a via triste ou irritada, sempre lhe afirmava que ninguém acreditaria nela se contasse e que, se alguém acreditasse, colocariam a culpa nela, ela que seria vista como promíscua e errada. Seria vista como a menina que "sensualizou" para o pai.
Para todas as outras pessoas, a mãe forçava um jogo da família feliz, em casa, tratava a menina como lixo, passando a descuidar dela por sentir ciúmes de sua relação com o pai. Antoinette, no entanto, sempre procurou na mãe aquela pessoa que ela foi um dia, que ela ainda amava muito, apesar de suas negligências.
O livro relata, muito fortemente a história triste dessa menina que só queria ser amada, que só queria ser uma criança feliz. A luta para se desvencilhar do pai não foi fácil, e o depois foi ainda mais difícil. A história vai e vem entre o fantasma da Antoinette criança e a mulher adulta que ela é, a qual lutou tanto para esquecer essa história. Toni, ainda, permanecia com a esperança de que, nos últimos dias de sua vida, a mãe aceitasse seu erro e lhe pedisse perdão.
Uma história tocante e muito boa, podendo ser lida rapidamente, há nela muitos detalhes asquerosos então eu não indico para as pessoas mais sensíveis. Mas nela, apesar de retratar a década de 50/60, muito têm da sociedade atual que fecha os olhos para as vítimas e as culpabiliza.
"Ora se não queria era só pedir para parar"
"Por que nunca falou com ninguém?"
"Tantos anos? Você gostava né"
"Se insinuava para o próprio pai"
Acho bom que Toni Maguire, a pequena Antoinette, tenha crescido e aprendido a lidar com seu trauma e, tenho certeza, que ajudou muitas pessoas com sua história. O olhar de uma criança sobre as piores coisas do mundo. Livro emocionante.
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