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O que há por trás da ressaca de seus olhos – Resenha: “Dom Casmurro”

  • Foto do escritor: Raposa
    Raposa
  • 23 de set. de 2018
  • 6 min de leitura

- este post contém spoilers.

Clássico brasileiro, talvez você tenha sido obrigado a ler na escola, sem muito entender a importância de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Com clássicos costumo tomar cuidado, entendo a predileção pela obra mas não considero que apenas certas pessoas, com doutorado ou sei lá o que, possam falar desse tipo de literatura, obras famosas, clássicas e difíceis. Pode-se falar de literatura quem a lê. Por isso hoje falarei desta. Já aviso que este post contém spoilers (mas também não acredito que haja algum brasileiro que não saiba, ao menos, o resumão dessa história).


O livro Dom Casmurro se inicia com o próprio “Dom” falando sobre o porquê deste nome, sobre ele ser uma pessoa fechada e taciturna. Ele se propõe nestas “memórias” a escrever sobre um passado distante, quando ele era ainda o jovem Bentinho. Bentinho é um menino tímido ao alto de seus 14 anos, ele vive com a mãe viúva, um tio, uma prima e um agregado que vive com a família. Além disso, é vizinho de uma menina e, desde crianças, eles são melhores amigos, a Capitu.

Bentinho sabe que desde antes de nascer fora prometido, pela sua mãe, que ele iria para o seminário se tornar padre, ou seja, ele sabe que uma hora em sua vida ele terá que partir para longe de todos aqueles que ele ama e, por mais que ele não queira ser padre, não há nada que fará a mãe mudar de ideia, mesmo que ela quisesse o filho em casa, juramento é juramento.

A primeira parte do livro retoma essa ideia, a ida para o seminário de Bentinho e as tentativas que ele faz de convencer a mãe a não ir. Também, fala sobre o seu relacionamento com Capitu, ele sempre a considerou como muito amiga, até o dia em que entreouve o agregado José Dias falando sobre a amizade dos dois, José Dias considerava muito estranho que eles continuassem apenas amigos, sendo que já estão com 14 anos de idade, não são mais crianças.

Este é o ponto em que o jovem menino se vê emparedado, estaria ele realmente apaixonado pela menina sem saber? Logicamente, ele não poderia falar isto com ela própria mas, será que ela sentia também?

Ainda na extrema inocência o menino percebe que sim, ele amava a Capitu e era recíproco. Ele até repara na afirmação de José Dias, o qual dizia que a moça tem os olhos de uma cigana, oblíqua e dissimulada, Bentinho não sabia o que era oblíqua mas sabia o que era dissimulada. E os olhos de Capitu eram a coisa que mais lhe atraia, olhos que ele mesmo descreve como "de ressaca" pois, como a ressaca do mar, atraem e aprisionam aqueles que queiram se aventurar.

Os dois enamorados seguem com seu amor, mas há a tristeza da separação, até o dia em que inevitável acontece, Bentinho vai embora para o seminário. No começo dos seus dias lá ele afirma que não tem desejo de trabalhar como padre e conhece um jovem com as mesmas intenções que ele, o menino Escobar.

Bentinho e Escobar se tornam grandes amigos, diria eu, tão amigos quando Bentinho era de Capitu, eles faziam tudo juntos e se compreendiam muito bem, uma amizade que só cresceu com o passar dos anos. Em um final de semana quando volta do seminário, Bentinho fica enciumado com a ideia de que sua amada Capitu poderia se apaixonar e se casar com outro no período em que tivesse estudando, eles então fazem um combinado, assim que se formasse Bentinho e Capitu se casariam.

O que realmente aconteceu, mas Bentinho nem terminou de se formar, não aguentando mais ficar longe, teve a brilhante ideia de colocar outro moço para cumprir o juramento de sua mãe, a qual concordou prontamente com a ideia, sentia saudades do filho.

Mais moço, assim que voltou percebeu que não poderia mais viver longe de seu amor, Capitu, eles logo se casaram e seu grande amigo casara-se também. Finalmente, Bentinho poderia desfrutar de seu maior amor longe dos olhos do pecado, ele tinha tudo o que mais queria na vida. A vida de casados foi muito curtida por ambos, Bento e Capitu estreitaram o relacionamento com Escobar e sua esposa, Sancha, todos se tornaram muito amigos, visitavam-se com grande frequência, passavam todo o tempo possível juntos.

Tudo ia bem quando Bentinho começa a sentir ciúmes da esposa, por ela ser muito bonita, não a deixava mais sair com os braços de fora, ou dançar tanto em festas pois outro alguém poderia se apaixonar por seus olhos de ressaca. Morria de ciúmes de Capitu. Outra questão fora a demora para que conseguissem ter uma crinaça mas, após algum tempo de tentativas, eles têm um filho, Ezequiel, menino que muito amava aos pais e tinha a brincadeira de imitar outras pessoas.

O ponto alto dessa história está mais para o fim, acontece uma coisa, relacionada à Capitu e Escobar, que levanta questionamentos na cabeça de Bentinho. Neste momento tudo vira de cabeça para baixo no mundo do personagem principal, ele começa a questionar-se, questionar todos os momentos em que vivera ao lado de Escobar e Capitu, teriam eles o traído?

Bentinho entra em uma paranoia, acredita piamente que sim, Capitu o traíra com seu melhor amigo, ele revê todo o seu passado e percebe o quão cego estava, como não poderia perceber que eles o traíram debaixo de seus olhos, em diversos momentos. Ele começa a perceber, até, semelhanças do filho Ezequiel com Escobar, começa a desconfiar que ele não seria o pai do menino. Os dias passam e ele toma mais certeza da traição e de que o menino que criara era, na verdade, filho de outro. O jeito de olhar, de comer, de falar, a fisionomia, tudo no menino lhe lembrara Escobar e não ele próprio.

Ficou desconcertado, como fora cego por tanto tempo?


Ele e Capitu tem uma briga, ele admite saber toda a verdade enquanto sua esposa confirma o quão louco ele está para ter ciúmes de Escobar. Bentinho só vê uma saída, manda a esposa e o menino para morar na Suíça e, mantendo as aparências, finge visitá-los regularmente, para que ninguém desconfie que os mandou longe para vê-los nunca mais.

Os anos passam, Capitu morre e Ezequiel vai visitar o pai, Bento vê no menino já adolescente, seu antigo colega de seminário, em todos os jeitos, e posturas. Ezequiel afirma que a mãe morrera a dizer que Bento era o homem mais justo do mundo, puro e digno.

O livro é muito interessante, ele retrata muito bem como o ciúme pode arruinar a vida de alguém, erroneamente. A grande pergunta que ronda toda a história, Capitu traiu ou não? A verdade é que ninguém sabe, Machado nunca confirmou nada.

Eu acredito que Capitu não traiu, o livro é contado em primeira pessoa, portanto é impossível saber a história verdadeira, temos apenas a visão e a opinião de Bentinho dela. Como ele estava tomado pelo ciúme, é impossível saber a veracidade do que ele escrevia, ele estava cego, e seu nome, Dom Casmurro, só confirma tudo para mim (Casmurro significa teimoso). Acredito que Capitu não o trairia e Ezequiel é filho de Bento sim, para mim a prova final é Ezequiel afirmar que mesmo depois de tudo que Bentinho fez aos dois, mandando-os para a Suíça, Capitu ainda afirmava que ele era o homem mais digno e puro do mundo.

A história é incrível, admito que demorei para ler pois não estou muito acostumada a escrita de Machado, nunca havia lido antes e me admirei, os capítulos são curtos e as últimas 30 páginas são impossíveis de se largar. Bento é um homem orgulhoso e taciturno, morreu acreditando em sua verdade, não querendo dar o braço a torcer, perdeu a chance de continuar a viver com o amor de sua vida. Ele mesmo afirma que nunca encontrou outra que tivesse olhos de cigana e de ressaca. Para mim, o livro apenas prova o quanto não apenas o amor pode cegar, o ciúme tem o mesmo efeito.

O poder da ressaca dos olhos de Capitu nunca deixou Bentinho voltar à praia, nem mesmo depois da morte.

Por fim, nem preciso dizer o quanto recomendo esta leitura, não é clássico a toa! O livro é uma inteira poesia de tão bela escrita e tão triste história.

Não consegui achar um traileir mas deixo aqui um vídeo da minissérie da globo, "Capitu", a qual conta a história do Dom Casmurro:


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