Do que não foi esquecido - Resenha: "Cova 312"
- Raposa
- 28 de ago. de 2019
- 3 min de leitura
O segundo livro da jornalista Daniela Arbex, Cova 312, foi lançado em 2015 e trata de várias histórias antes não-contadas acerca da ditadura militar, ganhando como melhor “Livro Reportagem” de 2016 pelo prêmio Jabuti. Apenas mais um dos prêmios que a autora coleciona em sua carreira, com mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles, o Prêmio Esso (2012), um dos mais importantes prêmios do jornalismo brasileiro.

É a segunda vez que resenho uma das obras de Daniela, para conferir minha primeira resenha, do incrível Holocausto Brasileiro, cuja narrativa trata da triste realidade do maior manicômio que houve no Brasil, basta clicar aqui!
O Cova 312, de Daniela Arbex, é uma coletânea e um aprofundamento de uma série de reportagens que a autora fez em 2002 para o jornal Tribuna de Minas, no qual ela releva certos aspectos antes escondidos da ditadura militar brasileira. Tudo se inicia com uma animação ao saber que estavam sendo feitas buscas nos arquivos mineiros para indenizar as famílias das vítimas e, procurando mais especificamente sobre a Penitenciária de Linhares, Daniela descobriu o caso de Milton Soares de Castro, um jovem militante dado como suicida enquanto estava preso e cujo seu corpo nunca havia sido encontrado. Com a certeza de que algo não se encaixava na história, a jornalista incorporou a missão de achar o corpo de Milton.
Apesar de ir com um objetivo certo, no caminho, Daniela se encontrou com diversas outras histórias e se viu no dever de contá-las em sua obra, tirando-as do esquecimento. Ao começar o livro, ela conta toda a história de Milton e seus irmãos, Edelson e Gessi, revela a trajetória do jovem na militância, em pleno início da ditadura; os jovens irmãos, pouco escolarizados, se viram encantados com os pensamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, vendo a solução das desigualdades sociais que sofriam serem resolvidas por ambos, portanto, logo ingressaram no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), com o ideal de lutar contra a ditadura. Entretanto, não foram muito longe, em Caparaó, o jovem e os outros colegas guerrilheiros foram presos por policiais militares.
Milton foi levado para a Penitenciária de Linhares, na cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais, onde vivera em um cubículo que mal o cabia. Passadas algumas semanas, em seu segundo interrogatório, que ocorrera de surpresa durante a madrugada, sofreu tortura psicológica. No dia seguinte, 28 de abril de 1967, foi dado como morto, por suicídio por afixiamento, fato que causou grande estranheza para a família, que não acreditara que Milton fosse capaz de tal ato.
No livro, a autora também permeia as histórias de outros militantes da época que também passaram por Linhares, relatando, em detalhes, os casos de tortura física e psicológica ocorridos na prisão. Além disso, retrata a sua jornada em busca do corpo perdido de Milton, o qual era uma dolorida dúvida para seus familiares. Após meses de investigação, acabou encontrando-o como indigente, no Cemitério Municipal de Juiz de Fora e, finalmente, revelou à família o segredo que durara 35 anos.
Contrastante com o primeiro livro, o Cova 312 é construído de forma diferente. Primeiro, Daniela conta a história do guerrilheiro Milton, mas dessa vez já como uma narradora-personagem, desde o princípio conta sobre sua peregrinação em busca dos detalhes do caso, sendo o sexto capítulo inteiramente sobre o começo de sua investigação jornalística. Além disso, há pouquíssimos relatos, propriamente ditos, no livro e, mesmo assim, não são tão diretos como os de Holocausto Brasileiro. Considerando que muitos dos personagens já estão falecidos, a autora faz mais uso de dados documentais, o que tira um pouco do emocional da história.
Mesmo quando conta especificamente da vida de cada militante, como uma narradora onisciente, ela se acrescenta dentro destes capítulos como personagem, explicando, por exemplo, como conseguiu os dados daquela pessoa. De forma similar ao Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex termina o Cova 312 contando o fim de sua investigação jornalística e quais os resultados desta. Além de fazer uma reflexão acerca do período ditatorial, como ele não pode nunca ser esquecido.
Admito que não gostei tanto do livro, comparei muito com a leitura do Holocausto Brasileiro que me foi muito mais emocionante. Como a autora faz uso de muitos dados, foi uma leitura mais cansativa. Apesar disso, o conteúdo da obra se faz tão necessário quanto o do primeiro livro da autora, recomendo a todos aqueles que adoram jornalismo e livros-reportagem.
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